DIREITO AO ESQUECIMENTO NO DIREITO COMPARADO: CONCEITOS E DESDOBRAMENTOS

 

PORRUA, Marcelo[1]

 

RESUMO: O presente artigo objetiva empreender reflexões sobre o surgimento do Direito ao Esquecimento, em vista de entender como mesmo vem se delineando até se tornar uma temática capaz de se tornar objeto de profundos estudos sobre o direito de ser esquecido; para tanto, serão abordadas algumas passagens pelo direito comparado que trazem alguns exemplos de como o tema é tratado em diferentes cortes, uma vez que se trata de um direito já reconhecido por bastantes Estados ao redor do mundo, sendo alcançado por vários cidadãos. Portanto, pede-se vênia, para expor algumas experiências concretas envolvendo este tema no direito comparado, com o fito de viabilizar o desvelamento de alguns caminhos trilhados por este instituto jurídico.

 

Palavras chave: Direito ao Esquecimento; Direito Comparado; Vida Privada.

 

 

1 A EVOLUÇÃO DO DIREITO AO ESQUECIMENTO NO DIREITO COMPARADO: ALGUNS CASOS

 

O direito a ser esquecido tem sua origem intelectual na França, cujo ordenamento prevê “le droit à l’oubli” ou seja, o direito ao esquecimento. Através deste, um criminoso condenado adquire direito putativo a obstar a publicação de fatos referentes à sua pena após seu cumprimento. A justificativa para tanto é que, uma vez reabilitado, deve o preso ter a chance de evitar novas manchas em sua reputação em virtude de seu passado criminoso. Similarmente, nos Estados Unidos, alguns estados permitem o arquivamento e mesmo a exclusão de dados tocantes a delinquentes juvenis, sob o argumento de que os delitos perpetrados na infância e adolescência não devem perseguir o jovem por toda sua vida adulta. 

Esta linha de raciocínio, de que os indivíduos humanos têm o direito a terem seus dados pessoais relevantes excluídos dos bancos de dados para a proteção de sua imagem pessoal, já despontou em diversos casos ao redor do mundo. Com a expansão tecnológica vivenciada na última década, notadamente no que tange às relações virtuais desenvolvidas através da internet, esse tema adquiriu especial relevância.

Na Alemanha, o Direito ao Esquecimento foi consagrado em 5 de junho de 1973, quando o Tribunal Constitucional Federal Alemão apreciou o caso Lebach. Para melhor compreensão do caso, faz-se mister relembrar os fatos do ano de 1969, quando aconteceu um dos latrocínios mais bárbaros crimes da história alemã. Naquele ano, em Lebach, Alemanha, dois homens devidamente auxiliados por um terceiro, foram à noite a um armazém de munições, vigiado por soldados, com a intenção de roubar artefatos de guerra. Para fazerem o que se propuseram, assassinaram quatro guardas e deixaram um quinto gravemente ferido.

Os três homens foram capturados e julgados em agosto de 1970; os dois assassinos receberam pena de prisão perpétua, e o terceiro homem que os auxiliou foi condenado a seis anos de reclusão. Dada a barbárie do fato, a opinião pública demonstrou muito interesse, ao que correspondeu a cobertura midiática.

Anos mais tarde, ao aproximar-se a libertação do terceiro condenado, um canal alemão elaborou um documentário mostrando imagens e os nomes dos três envolvidos. Refletindo sobre a repercussão negativa da transmissão, o homem que estava em vias de ser libertado, intentando proibir a veiculação, recorreu ao Poder Judiciário.

Conforme Martins (2005), o pedido de liminar foi negado em duas instâncias, restando-lhe ajuizar Reclamação Constitucional perante o Tribunal Constitucional Federal alemão; esta foi julgada procedente sob o argumento de que a rejeição da pretensão incorria em grave ameaça à dignidade e ao livre desenvolvimento da personalidade do reclamante (artigo 1, (1), 9 e artigo 2, (1), 10 da Constituição da Alemanha), tendo em vista os danos que a exibição do documentário poderia ocasionar ao seu processo de ressocialização, uma vez que havia cumprido sua pena.

Assim, a Corte Constitucional alemã reconheceu que a intervenção na liberdade de informação estava plenamente respaldada, ao que a proteção da dignidade do cidadão, se sobrepunha.

Dentre os casos envolvendo o direito a ser esquecido, há ações que remontam à 1983, como é o caso da “Societe Suisse de Radio et de Television”, no processo de gravação de um documentário envolvendo um condenado a assassinato submetido à pena capital em 1939, foi acionada judicialmente por seu filho, já idoso, com o fito de interromper a produção, sob o argumento de que tal significaria desnecessária agravação pessoal diante de violação de sua história e de sua vida privada. A Corte suíça reconheceu a incidência do “Droit  à l’oubli”.

Na ocasião, embora tenha reconhecido que este não poderia significar impedimento à produção científica ou histórica, reconheceu que a incidência indiscriminada do documentário à grande quantidade de pessoas em rede aberta significaria dano bem maior ao titular do direito do que qualquer benefício à comunidade científica. 

Nada obstante, o caso mais notório após a denominada “explosão digital”, sem dúvidas, foi a ação judicial movida pelos irmãos Wolfgang Werl é e Manfred Lauber perante à Corte Superior da Alemanha em desfavor da enciclopédia virtual Wikipedia (SCHWARTZ, 2014).

Em 1990, os autores foram condenados pela Justiça alemã pelo assassinato do ator Walder Sedlmayr.  Cumprida sua pena, acionaram judicialmente o site Wikipedia, bem como uma série de periódicos alemães, exigindo o expurgo, de seu banco de dados, de todas as referências do seu envolvimento com o crime, sob o argumento de que o “droit à l’oubli” deveria ser respeitado também na Alemanha em face de sua notória natureza enquanto direito humano. A Corte alemã acolheu a argumentação autoral, condenando a Wikipedia a retirar toda informação referente aos dois irmãos.

O interessante desse caso, entretanto, é que a jurisdição alemã não abrangia, por óbvio, a integridade da área de atuação da Wikipedia, organização americana sem fins lucrativos. Assim, a sentença em comento atingiu apenas a versão do site em alemão, mantendo-se as referências pertinentes em todas as demais versões da enciclopédia eletrônica. Werlé e Lauber acionaram a Justiça americana, porém, ali, foram vencidos pela argumentação da parte contrária, protegida pela primeira emenda americana, que veda qualquer limitação à liberdade de imprensa e de informação. 

A análise do julgado supracitado é de extrema relevância para o tema desta pesquisa monográfica, já que denota claramente a dificuldade de efetivação do direito de ser esquecido, de conteúdo naturalmente cosmopolita, diante dos diversos ordenamentos jurídicos, por vezes conflitantes quanto à aplicação desse princípio.

No caso apresentado, há um evidente conflito entre direito de informação e direito à privacidade. Diante disso, o direito de ser esquecido, resultante do sopesamento de tais princípios antagônicos, apresenta dificuldade de ser garantido, vez que ainda não está inserido na legislação e depende da decisão jurisdicional fundamentada nas teorias sobre conflitos de princípios.

Seguindo este raciocínio, no dia 25 de janeiro de 2012, a Comissão Europeia emitiu regulação[2], proposta pela Comissária Europeia para a Justiça, Direitos Humanos e Cidadania, Viviane Reding, na qual se propôs uma abordagem compreensiva da proteção de dados pessoais e sua exclusão de bancos de dados a pedido da parte interessada. Qualquer indivíduo é titular dessa nova tentativa legislativa, não apenas condenados reabilitados. O ponto 53 da exposição de motivos desta Regulação (European Commission. Regulation of the European Parliament and of the Council, 2014) assevera:

 

Any person shoud have the right to have personal data concerning them rectified and a ‘right to be forgotten where the retention of such data is not in compliance with this Regulation. In particular, data subjects should have the right that their personal data are erased and no longer processed, where the data are no longer necessary in relation to the purposes for which the data are collected or otherwise processed, where data subjscts have withdrawn their consent for processing or where they object to the processing of personal data concerning them or where the processing of their personal data otherwise dos not comply with this Regulation. This right is particularly relevant, when the data subject has given their consent as a child, when not being fully aware of the risks involved by the processing, and later wants to remove such personal data especially on the Internet. However, the further retention of the data should be allowed where it is necessary for historical, statistical and scientific research purposes, for reasons of public interest in the area of public health, for exercising the right of freedom of expression, when required by law or where there is a reason to restrict the processing of the data instead of erasing them.[3]

 

Nota-se que o projeto de Regulação traz todos os avanços obtidos pela jurisprudência europeia nos últimos vinte anos. Se aprovada pelo Parlamento Europeu, seu artigo 17 efetivamente positivará o direito de ser esquecido em todo o território da União Europeia.

Referida disposição assevera a capacidade potestativa a qualquer indivíduo de apagar dados pessoais que lhe digam respeito e a abstenção de tentativas posteriores de divulgação destes dados, em quatro situações, a saber: (a) se a informação não for mais necessária aos propósitos pela qual foi coletada; (b) se o titular retirar o consentimento previamente dado para a divulgação daquela informação; (c) se o titular tiver objeções à divulgação indiscriminada de informação de índole notadamente privada, e; (d) se o processamento da informação se der em desconformidade com outras disposições da Regulação. 

A visão notadamente progressista que se observa na Europa no que tange ao direito de ser esquecido, vale dizer, não é isenta de objeções. Com efeito, nos Estados Unidos, a iniciativa da Comissão Europeia é vista como “a maior ameaça à liberdade de expressão no século XXI (ROSEN, 2014)”, por contrariar, em tese, toda a evolução do conteúdo essencial da primeira emenda. Contudo, vê-se que no continente americano amplamente considerado o referido direito já é utilizado pelos ordenamentos nacionais, ainda que de forma meramente tangencial.

Nesse sentido, pode-se citar o caso da cantora latina Virginia da Cunha (TLM TECNOLOGICAMENTE, 2014) que obteve, pelo Poder Judiciário argentino, concedida ordem para que se retirasse dos sites de busca (Google e Yahoo) qualquer referência a ensaio sensual que fizera antes da fama. Igualmente, no Brasil, verifica-se a potencial incidência deste direito no recentíssimo caso envolvendo a atriz Carolina Dieckmann (TERRA MAGAZINE, 2014).

Em ambas as hipóteses, referenciadas acima, tem-se a divulgação de dados pessoais, de cunho notadamente íntimo, sem a permissão dos titulares. A Justiça, ademais, no sopesamento entre informação versus privacidade, deu primazia à privacidade em ambos os casos. Ora, como se vê, o direito a ser esquecido surge desta primazia diante do conflito principiológico entre esses dois direitos que são fundamentais.

Por todo o exposto, assim, cabe falar que o direito a ser esquecido vem sendo progressivamente reconhecido por diversos ordenamentos jurídicos ao redor do mundo.

 

 

2 DIREITO AO ESQUECIMENTO: CONFIGURAÇÕES

O direito ao esquecimento é o direito individual e fundamental de uma pessoa opor-se a que um fato, mesmo que seja verídico, acontecido em determinado momento de sua vida, seja alvo de exposição ao público em geral, podendo causar-lhe sofrimento ou transtornos. O direito ao esquecimento é também conhecido como “direito de ser deixado em paz” ou mesmo de “direito de estar só”. Nos EUA, é reconhecido como “the right to be let alone” e, nos países hispânicos, denomina-se de “derecho al olvido”.

No ordenamento pátrio, o direito ao esquecimento possui assento constitucional e legal, visto como uma consequência direta do direito à privacidade, intimidade e honra, que se asseguram na CF/88, em seu art. 5º, X e pelo Código Civil de 2002 no artigo 21. Outros autores também afirmam que o direito ao esquecimento está intrinsecamente ligado à dignidade da pessoa humana e por isso com respaldo no artigo 1º, III, da CF/88.

Ao discutir o direito ao esquecimento é essencial lembrar do jurista e filósofo francês François Ost, que diz:

 

Uma vez que, personagem pública ou não, fomos lançados diante da cena e colocados sob os projetores da atualidade – muitas vezes, é preciso dizer, uma atualidade penal –, temos o direito, depois de determinado tempo, de sermos deixados em paz e a recair no esquecimento e no anonimato, do qual jamais queríamos ter saído (OST, 2005, p. 160).

 

O direito ao esquecimento não é uma criação recente, pois há muitos anos já discute-se a respeito dessa expressão do direito na Europa e nos EUA. Como exemplo, Fraçois Ost menciona a decisão, datada de 1983, do Tribunal de última instância de Paris no caso de Mme. Filipachi Cogedipresse, quando o direito ao esquecimento foi assegurado nos seguintes termos:

 

(...) qualquer pessoa que se tenha envolvido em acontecimentos públicos pode, com o passar do tempo, reivindicar o direito ao esquecimento; a lembrança destes acontecimentos e do papel que ela possa ter desempenhado é ilegítima se não for fundada nas necessidades da história ou se for de natureza a ferir sua sensibilidade; visto que o direito ao esquecimento, que se impõe a todos, inclusive aos jornalistas, deve igualmente beneficiar a todos, inclusive aos condenados que pagaram sua dívida para com a sociedade e tentam reinserir-se nela.” (id. p. 161)

 

O direito ao esquecimento retornou às discussões mais ferrenhas e de inegável atualidade em razão da internet, uma vez que a rede mundial de computadores perpetua as informações, sendo as mesmas de fácil acesso, o que a torna uma ferramenta poderosa para disponibilizar facilmente um conteúdo praticamente infinito. Aqui no Brasil, os temas relacionados ao direito ao esquecimento voltaram a ser debatidos depois da aprovação de um enunciado que toca essa temática na VI Jornada de Direito Civil, além de o STJ ter julgado casos envolvendo esse mesmo direito.

No mês de março de 2013, na VI Jornada de Direito Civil do CJF/STJ, resultou aprovado um enunciado que reconhece claramente que o direito ao esquecimento existe como uma expressão fundamental da dignidade da pessoa humana e que, portanto, deve ser assim tratado. Assim se manifesta o Enunciado 531: A tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento.

Mesmo que tais enunciados não tragam força cogente eles são uma ferramenta ímpar e importante fonte de pesquisa e argumentação utilizada pelos profissionais do Direito e áreas de afinidade que militam a partir dessa reflexão e reconhecem esse direito. Sendo inclusive, acolhido esse enunciado pela 4ª Turma do STJ, em dois julgados recentes - REsp 1.335.153-RJ e REsp 1.334.097-RJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão (julgados em 28/5/2013) que reafirmam que, no sistema jurídico brasileiro, o direito ao esquecimento é protegido.

As discussões quanto ao direito ao esquecimento aparecem com mais força em casos que dizem respeito a ex-apenados que reclamam que seus antecedentes criminais não mais sejam expostos, uma vez que a publicidade dos mesmos lhes causava diversos prejuízos. Contudo, o mesmo debate ampliou-se e acabou por envolver diferentes aspectos que a pessoa envolvida almeja sejam esquecidos.

Mesmo tendo esta pesquisa o condão da defesa da validade do direito ao esquecimento, vale ressaltar que existem doutrinadores que se opõem à existência de um “direito ao esquecimento”, dentre eles o Min. Luis Felipe Salomão que, no julgamento do REsp 1.335.153-RJ, apesar de se manifestar favorável ao direito ao esquecimento, colacionou diferentes argumentos a ele contrários, donde se destacam:

 

a) o acolhimento do chamado direito ao esquecimento constituiria um atentado à liberdade de expressão e de imprensa;

b) o direito de fazer desaparecer as informações que retratam uma pessoa significa perda da própria história, o que vale dizer que o direito ao esquecimento afronta o direito à memória de toda a sociedade;

c) o direito ao esquecimento teria o condão de fazer desaparecer registros sobre crimes e criminosos perversos, que entraram para a história social, policial e judiciária, informações de inegável interesse público;

d) é absurdo imaginar que uma informação que é lícita se torne ilícita pelo simples fato de que já passou muito tempo desde a sua ocorrência;

e) quando alguém se insere em um fato de interesse coletivo, mitiga-se a proteção à intimidade e privacidade em benefício do interesse público. Min. Luis Felipe Salomão, no julgamento do REsp 1.335.153-RJ (DIREITO AO ESQUECIMENTO, 2014)

 

Sem qualquer dúvida, o principal ponto conflituoso em relação ao direito ao esquecimento está em como conciliar o direito à privacidade com a liberdade de expressão e de imprensa, bem como com o direito à informação, ponto de próxima discussão.

 

 

3 DISCUSSÕES ATUAIS

Recentemente, sob a presidência do Ministro Dias Toffoli e cercado da usual polêmica, o tema do direito ao esquecimento foi discutido durante audiência pública realizada no Supremo Tribunal Federal, em junho de 2017. Sobre o tema, restaram delineadas três posições, aqui expostas, a partir dos escritos de Anderson Schreiber, a saber:

Posição pró-informação: Nesse entendimento, não existe um direito ao esquecimento, pois, esse direito, além de não constar de forma expressa na legislação brasileira, não poderia ser extraído de qualquer direito fundamental, nem mesmo do direito à privacidade e à intimidade. Assevera-se ainda que tal direito seria contrário à memória de um povo e à própria história da sociedade.

Assim, a liberdade de acesso à informação prevaleceria sempre, mesmo diante dos argumentos que trazem o direito à intimidade e à vida privada, de modo muito semelhante ao que já ocorrer em outros países, como nos Estados Unidos da América. No mesmo viés desse entendimento, está a recente jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, em relação ao caso das biografias não-autorizadas (ADI 4.815).

Posição pró-esquecimento: O direito ao esquecimento, nessa perspectiva, existe e deve preponderar como expressão do direito da pessoa humana a ser respeitada em sua intimidade e privacidade. Na tutela da dignidade da pessoa humana, configurada como o valor supremo na ordem constitucional brasileira, esses direitos têm prevalência sobre a liberdade de informação a respeito de eventos passados, não-atuais. A compreensão na direção oposta geraria a rotulação do indivíduo, aplicando a ele “pena perpétua” por meio da mídia e da internet, a quem todos podem acessar. A disponibilidade não regrada dessas informações geraria um constrangimento perene ao indivíduo, limitando-lhe os atos da vida.

Na corrente desse entendimento, Schreiber (2017) afirma que o IBCCrim – Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, propôs que seja observado um prazo de cinco anos, a serem contados a partir do cumprimento da pena, para que informações sobre condenações penais sejam “apagadas” da imprensa e da internet; posição corroborada pela decisão do Superior Tribunal de Justiça, em 2013, no caso da Chacina da Candelária, em que reconhece o direito ao esquecimento definindo-o como “um direito de não ser lembrado contra sua vontade” (REsp 1.334.097/RJ).

Essa posição ainda traz à lembrança as experiências europeias, que, em contraposição à experiência norte-americana, fazem prevalecer o direito ao esquecimento; essa clara posição da Corte de Justiça da União Europeia é percebida quando, em 2014, ela determinou que a Wikipédia desvinculasse o nome de um cidadão europeu de antiga notícia sobre penhora de seu imóvel.

Posição intermediária: Essa terceira corrente argumenta que a Constituição brasileira não permite hierarquização prévia e abstrata entre princípios, ao que se estende à liberdade de informação e privacidade, já que ambos estão imbricados nas discussões do direito ao esquecimento. Ambos são direitos fundamentais e, por isso, a solução técnica está na justa aplicação do método de ponderação, objetivando o menor sacrifício possível para cada um dos interesses colididos.

Nesse viés argumentativo, continua Schreiber (2017), está o Instituto Brasileiro de Direito Civil – IBDCivil, que, propôs alguns parâmetros para a ponderação, como, por exemplo, o parâmetro da fama prévia, que impõe distinguir entre vítimas que possuem outras projeções sobre a esfera pública e pessoas que somente têm projeção pública como vítima daquele delito.

Independentemente da posição que se adote sobre esse tema, há duas grandes dificuldades a serem enfrentadas: Primeiro, o termo “direito ao esquecimento” sugere um controle dos fatos, um apagamento da história, o que não reflete o significado técnico da expressão, que quer garantir apenas o direito de toda pessoa humana de ser corretamente retratada em suas projeções públicas. Segundo, o tema, alcança a indexação de resultados por motores de busca da internet, o que toca em outras esferas de direitos.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS:

            O Direito ao Esquecimento não nasce apenas das conjecturas teórico burocráticas das ciências jurídicas, com vistas a novos institutos, mas surge como um desdobramento das necessidades humanas em sua busca por dignidade e, portanto, necessita do respectivo reconhecimento.

Alguns Estados nacionais, como os que participam da Corte Européia dos Direitos Humanos, por exemplo, percebem que a tutela desse direito está em suas mãos e o usam, oferecendo aos indivíduos a oportunidade de dar continuidade a sua existência, mesmo depois de, em algum momento de suas vidas, terem atentado contra algum preceito legal. Outros Estados preferem dar ênfase à liberdade de expressão e ao direito de acesso à informação, como os Estados Unidos da America, que se ampara nessa prerrogativa e não oferece aos seus cidadãos essas garantias individuais.

O Brasil, apesar de possuir boas reflexões em relação aos institutos jurídicos, ainda engatinha no aporte positivado dessas garantias, dando ao direito ao esquecimento um status apenas jurisprudencial, aberto, portanto, a inúmeras interpretações. A recente audiência pública, ocorrida no STF, fez emergir posicionamentos mais claros em relação ao Direito ao Esquecimento, o que provocou a manifestação de instituições que gozam de crédito acadêmico e que estão diretamente ligadas a estas questões.

Talvez o mais importante seja a ponderação dos princípios imbricados na discussão do Direito ao Esquecimento, e que devem ser sopesados para que o melhor direto alcance o cidadão, tanto na dimensão das garantias individuais, como em relação ao seu aspecto histórico social.

 

 

REFERÊNCIAS BILBIOGRAFICAS

 

BRASIL. Constituição ( 1988 ). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado, 1988

 

_______. Código Civil ( 2002 ). Novo Código Civil. Brasília, DF, Senado, 2002

 

_______. Superior Tribunal de Justiça. 4ª Turma. REsp 1334097/RJ, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO. Julgado em 28/05/2013, DJe 10/09/2013

 

_______. Superior Tribunal de Justiça. 4ª Turma. REsp 1335153/RJ, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO. Julgado em 28/05/2013, DJe 10/09/2013

 

DIREITO AO ESQUECIMENTO. Disponível em <http://www.dizerodireito.com.br/2013/11/direito-ao-esquecimento.html> Acesso em 04.08.2017

 

European Commission. Regulation of the European Parliament and of the Council. Disponível em: < http://www.ec.europa.eu/justice/data-protection/document/review2012/com_2012_11_en.pdf > Acesso em 14.07.2017.

 

MARTINS, Leonardo (Org.). Cinqüenta anos de jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal alemão. Montevideo: Konrad-Adenauer-Stiftung E.V., 2005.

 

OST, François. O tempo do direito. Bauru, SP: Edusc, 2005.

 

ONUDeclaração Universal dos Direitos Humanos. Disponível em: <http://www.onu-brasil.org.br/documentos_direitoshumanos.php> Acesso em 29.10.2017

 

ROSEN, Jeffrey. The Privacy Paradox: The right to be forgotten. Stanford Law Review Online n. 64. Disponível em: . Acesso em 20.08/2017

 

SCHREIBER, Anderson. As três correntes do direito ao esquecimento. Disponível em: < https://jota.info/artigos/as-tres-correntes-do-direito-ao-esquecimento-18062017> Acesso em 12.09.2017

 

SCHWARTZ, John. Two German Killers Demanding Anonymity Sue Wikipedia’s Parent. Nova York: New York Times, 12/11/2009. Disponível em: http://www.nytimes.com/2009/11/13/us/13wiki.html Acesso em 05.09.2017

 

TERRA MAGAZINE. Porque defender a privacidade de Carolina Dieckmann. Disponível em: <http://terramagazine.terra.com.br/bobfernandes/blog/2012/05/16/porque-defender-a-privacidade-de-carolina-dieckmann/> Acesso em 30.08.2017

 

TLM TECNOLOGICAMENTE. Virginia da Cunha: Google y Yahoo Disponível em: > Acesso em 30.08.2017

 

 

[1] Professor graduado em Filosofia (IVF), Letras (UNEMAT) e Direito (FCARP), especialista em Psicopedagogia (UFRJ) e Direito Constitucional (AVM), mestre em Educação (UFMT)

 

[3] Qualquer pessoa deveria ter o direito de ter os dados pessoais que lhes dizem respeito retificados e o direito a ser esquecido, quando a retenção desses dados não esteja em conformidade com o presente regulamento. Em particular, as pessoas devem ter o direito de que seus dados pessoais sejam apagados e não divulgados, uma vez que não são mais necessários em relação aos fins para os quais tenham sido recolhidos ou não divulgados, sem consentimento para serem processados ou mesmo quando se opuserem ao tratamento dos dados pessoais que lhes dizem respeito, ou quando o tratamento dos seus dados pessoais não cumpra o presente regulamento. Este direito é particularmente relevante, quando a pessoa em causa tiver dado o seu consentimento de modo ingênuo ou inconsciente, quando não estiver plenamente consciente dos riscos envolvidos no processamento, e mais tarde desejar remover tais dados pessoais, especialmente na Internet. No entanto, a retenção dos dados deve ser permitida se for necessário para fins de investigação histórica, estatística e científica, por razões de interesse público na área da saúde pública, para o exercício do direito de liberdade de expressão, quando exigido por lei ou onde existe uma razão para restringir o processamento dos dados em vez de apagá-los.