A RELAÇÃO POLIAFETIVA NO DIREITO CIVIL BRASILEIRO

Álvaro Henrique Paes da Cruz SANTOS[1]

RESUMO

O presente artigo terá por objeto de estudo a evolução do direito de família no que diz respeito à introdução de novos paradigmas, principalmente em relação às relações poliafetivas, também conhecidas como “poliamor” como novas unidades familiares e a proteção que deve ser concebida pelo Estado por se tratar de uma entidade familiar.

PALAVRAS-CHAVE: Novas Famílias. Afetividade. Relações Poliafetivas.

1 INTRODUÇÃO

Nos dias atuais, podemos observar as diferentes mudanças que aparecem constantemente nos ramos do Direito, com a busca cada vez maior pela realização pessoal, garantida principalmente pelo avanço nos direitos humanos.

Nesse contexto, a família tradicional, antes formada e idealizada por dois indivíduos (homem e mulher), hoje dá lugar também a outros tipos de relações afetivas, as quais não podemos desamparar como novo valor histórico e cultural para as próximas gerações.

Ressalta-se que o assunto a ser abordado ainda é muito recente, entende-se que, na ausência de normas que proíbam tal situação, o papel do Estado é necessário para a proteção dos indivíduos que fazem parte desta relação, visto que estes também se elevaram ao status de entidade familiar, pois estas relações também geram efeitos, principalmente quando existem filhos ou aquisição de patrimônio.

 2 A RELAÇÃO POLIAFETIVA COMO ENTIDADE FAMILIAR

            A entidade familiar, trata-se da manifestação da vontade de constituir família, levando em consideração que o conceito de família atual é afetivo. O Poliamor ou Relação Poliafetiva[2], é a relação afetiva entre mais de duas pessoas. Não se trata bigamia, não são amantes e, inclusive, a relação entre os poliafetivos deve ser exclusiva, como se todos fossem casados entre si.

            O Código Civil de 1916 admitia, unicamente, o casamento civil como elemento formador da família, muito embora nossas doutrina e jurisprudência já passassem a admitir a união estável. Ocorre que com a promulgação da CF/88 reconheceu-se a união estável também como elemento formador de uma família, bem como o núcleo formado por apenas um dos genitores e seus descendentes.

            O fato que deu ensejo à grande polêmica relacionado ao poliamor, se deu no segundo semestre do ano de 2012, na cidade de Tupã, no Estado de São Paulo, onde foi registrada uma união de um trio formado por um homem e duas mulheres, os quais já viviam juntos há mais de três anos.

A tabeliã de Notas e Protestos, Cláudia do Nascimento Rodrigues, realizou o que se pode considerar como a primeira escritura que trata acerca de uniões poliafetivas no Brasil. Destaca-se que esta notícia chocou grande parte da população daquele local, porém não se pode olvidar que não é unicamente este trio que vive nesta situação, que se chama atualmente de poliamorismo, como também há muitas outras famílias que vivem a mesma situação na clandestinidade.

O conceito de poliamorismo é trazido pelo autor professor Pablo Stolze Gagliano[3]:

O poliamorismo ou poliamor, teoria psicológica que começa a descortinar-se para o Direito, admite a possibilidade de coexistirem duas ou mais relações afetivas paralelas, em que os seus partícipes conhecem e aceitam uns aos outros, em uma relaç ão múltipla e aberta.

Mesmo assim, importante salientar que grande parte da sociedade brasileira, apesar do influxo cultural poligâmico histórico que possui, não demonstra preferência pela forma poligâmica de família, sendo a monogamia um valor socialmente consolidado e historicamente construído e aceito por parcela da população.

As opiniões dos juristas e doutrinadores divergem quanto à aceitação dessas novas uniões, principalmente quanto ao seu alcance jurídico e seus efeitos, chegando ao ponto de classificarem a expressão poliamorismo como um estelionato jurídico.[4]

Importante destacar que as relações poliafetivas, são fundadas principalmente no princípio da afetividade, assim como pode-se fazer uma comparação com outras famílias da nossa sociedade, como a monoparental, a anaparental, a mosaico, a família unipessoal e a união estável, e agora sem distinção entre relações de pessoas do mesmo sexo ou de sexos distintos.

 Destarte, essas novas famílias possuem sua base no afeto entre os companheiros, encontrando respaldo nos princípios da dignidade da pessoa humana, da liberdade, da igualdade e da pluralidade das entidades familiares. Ao tratar de relações poliafetivas, ressalta-se que seus fundamentos são os mesmos utilizados pelo Supremo Tribunal Federal para conceder às uniões homoafetivas o status de entidades familiares, os quais estão presentes: a proibição da discriminação; direitos fundamentais do indivíduo e autonomia da vontade; proibição do preconceito; silêncio normativo; princípio da dignidade da pessoa humana; interpretação não reducionista ou ortodoxa do conceito de família e; interpretação do artigo 1.723, do Código Civil, conforme a Constituição da República.

3 PRINCIPIO DA AFETIVIDADE

            Como já mencionado anteriormente, estas relações poliafetivas são fundadas principalmente na afetividade. O afeto, atualmente apontado como o principal fundamento das relações familiares, não está expresso no texto da CRFB/88, este decorre diretamente da valorização da dignidade da pessoa humana, sendo considerado também um direito fundamental.

 O Código Civil também não faz menção à palavra afeto, ainda que, em alguns dispositivos, possa-se entrever esse elemento para caracterizar situação merecedora de tutela. Ressalta-se que o princípio da afetividade, é mais um vínculo de convivência familiar do que um vínculo apenas biológico, sendo que, decorrente deste entendimento surge então uma nova forma de parentesco civil: a parentalidade socioafetiva. Constitui-se, deste modo, a afeição entre os cônjuges ou conviventes, bem como a necessidade de que perdure completa comunhão de vida, como fundamento básico do casamento, da vida conjugal e do companheirismo, sendo que a sua extinção torna insuportável a convivência. Acerca da importância do afeto no Direito de Família, leciona Maria Berenice Dias[5]:

A família transforma-se na medida em que se acentuam as relações de sentimentos entre seus membros: valorizam-se as funções afetivas da família. Despontam novos modelos de família, mais igualitárias nas relações de sexo e idade, mais flexíveis em suas temporalidades e em seus componentes, menos sujeitas à regra e mais ao desejo.

Deste modo, percebe-se que, atualmente, o princípio norteador do Direito de Família é o princípio da afetividade.

4 O CÓDIGO CIVIL E O POLIAMOR

            Salientam alguns juristas que nosso Código Civil destaca dura sanção reconhecida pelo ordenamento em ocorrendo o casamento bígamo: a nulidade absoluta do segundo casamento contraído, conforme artigos. 1521,VI e 1548 do CC. Assim, neste caso, seria nula a união matrimonial de mais de duas pessoas, visto que somente a primeira união é reconhecida pela legislação. O grande mister, no que diz respeito às relações poliafetivas e o vigente Código Civil, é que a relação poliamorosa não se trata de casamento bígamo, mas de uma união estável de mais de duas pessoas, em que todas elas possuem o mesmo animus: ou seja, de criar uma unidade familiar.        

            Deste modo, qualquer grupo pode fazer uma união como esta, seja um homem e duas mulheres, uma mulher e dois homens, três homens, três mulheres, etc, desde que respeitados alguns pressupostos contidos no art. 1.723, do Código Civil: ser pública, ser contínua, ser duradoura, apresentar objetivo de constituir família e não apresentar impedimentos matrimoniais.

 Quanto à validade da escritura que reconhece esse tipo de união, caberá aos magistrados analisar todo seu contexto fático, a fim de assegurar os direitos de todos os companheiros, caso sejam comprovados os pressupostos destacados.

Portanto, não há que se confundir as relações poliafetivas com o concubinato, com as relações paralelas ou até mesmo com a bigamia, pois, frisa-se, não existe proibição legal alguma instituída no ordenamento jurídico brasileiro.

Assim como, vale destacar que não há proibição ou sanção expressa na Constituição Federal no tocante a união de três ou mais pessoas, tratando-se de um silêncio normativo. Logo, não há que se falar em vedação constitucional ou possível inconstitucionalidade, vez que a relação poliafetiva não se confunde com a união paralela, haja vista ser celebrada diante da vontade plúrima de suas partes.

5 DIVERGENCIA DOUTRINÁRIA

            Para a autora Regina Beatriz Tavares da Silva[6]: “A expressão poliafeto é um engodo, um estelionato jurídico, na medida em que, por meio de sua utilização, procura-se validar relacionamentos com formação poligâmica”.

Assim, complementa ressaltando que essa escritura “de nada servirá a essas três pessoas. É inútil porque não produz os efeitos almejados, uma vez que a Constituição Federal, a Lei Maior do ordenamento jurídico nacional, atribui à união estável a natureza monogâmica, formada por um homem ou uma mulher e uma segunda pessoa…”

Neste contexto, tanto o STF, quanto o STJ, já se manifestaram no sentido de que a poligamia, em hipótese alguma, gera efeitos no direito de família.[7]

De outro lado, representando posicionamento favorável ao reconhecimento das uniões poliafetivas, encontramos Maria Berenice Dias, apontando no sentido de que.

 “O princípio da monogamia não está na constituição, é um viés cultural. O código civil proíbe apenas o casamento entre pessoas casadas, o que não é o caso. Essas pessoas trabalham, contribuem e, por isso, devem ter seus direitos garantidos. A justiça não pode chancelar a injustiça”.

Deste modo, partindo desses pressupostos deve-se considerar que, embora ainda seja algo um tanto incomum e moralmente pouco aceito pelos padrões sociais, não há dispositivo legal no Código Civil, na Constituição Federal e tampouco em outros dispositivos, que proíbam as pessoas de manterem essa espécie de relação, haja vista que é considerado crime, somente a bigamia. Em não se tratando de casamento, mas apenas de uma relação privada, não há que se falar em impedimento.

Assim, o poliamor não se trata de bigamia ou poligamia, pois só comete o crime de bigamia quem contrai casamento e, no caso não há casamento, simplificando o poliamor nada mais é do que a relação de união estável entre mais de duas pessoas, pouco importando o sexo.

A monogamia perdura ainda como um princípio moral forte e vigente na grande maioria da sociedade, no entanto, tendo em vista que a relação poliafetiva ou, poliamorosa não é constituída a partir do casamento, aliado ao fato de que a Constituição Federal protege a pluralidade de entidades familiares, há de ter a proteção do Estado.

Portanto, não se trata de manifestação favorável ou desfavorável aos posicionamentos existentes, mas sim de reconhecer e demonstrar a necessidade urgente de qualquer tipo de regulamentação ou tutela que proporcionará uma igualdade entre famílias, o respeito aos seus entes formadores e, principalmente, a proteção do ser humano, objeto principal do Direito.

6 CONCLUSÃO

Deste modo, é necessário destacar que a evolução do Direito de Família encontra-se intimamente relacionada à evolução da sociedade e consequentemente das entidades familiares. Com o reconhecimento da união estável entre três pessoas, na cidade de Tupã, a notícia repercutiu pelos meios de comunicação como uma afronta à moral e aos bons costumes, o qual fora apelidada de relação poliafetiva.

Relações estas que possuem sua base no afeto entre os companheiros, no respeito às diferenças e na efetivação da dignidade da pessoa humana. Ocorre que o mundo jurídico dividido quanto ao assunto: alguns consideram as relações poliafetivas como um estelionato jurídico, um concubinato adulterino, enquanto para outros seria a manifestação de vontade firmada por indivíduos buscando sua realização pessoal.

Assim como no reconhecimento das uniões estáveis e na possibilidade de casamento civil para pessoas do mesmo sexo, cabe destacar é que a diferença tem de ser respeitada, devendo o Estado proteger e acautelar os indivíduos que escolheram oficializar uma união poliafetiva, devido a seus efeitos, como qualquer outra instituição familiar existente no âmbito jurídico.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. 22. ed. São Paulo, Saraiva, 2007.

GAGLIANO, Pablo Stolze. Direitos da(o) amante – na teoria e na prática (dos Tribunais). Disponível: http://ww3.lfg.com.br/public_html/article.php?story=20080715091906969&mode=pri. Acesso em: 20 de Dezembro de 2016.

PIOLI, Roberta Raphaelli. O poliamorismo e a possibilidade de união poliafetiva. Disponível em: http://ultimainstancia.uol.com.br/conteudo/artigos/58182/o+poliamorismo+e+a+possibilidade+de+uniao+poliaf.  Acesso em: 19 de Dezembro de 2016.

SILVA, Regina Beatriz Tavares da. Tentativa inútil de institucionalizar a Poligamia no Brasil. Disponível em: http://reginabeatriz.com.br/escritorio/noticias/noticia.aspx?id=340.  Acesso em: 19 de Dezembro de 2016.

SILVA, Regina Beatriz Tavares da. ‘União poliafetiva’ é um estelionato jurídico.

>http://tatunarede.com.br/blog/leonardosacra/o-que-%C3%A9-o-poliamor-ou-rela%C3%A7%C3%A3o-poliafetiva-conhe%C3%A7a-algumas-peculiaridades-e<. Acesso em: 19 de Dezembro de 2016.

[1] Bacharel em Direito graduado pela Universidade da Amazônia – UNAMA, pós graduando em Direito Civil e Processo Civil pela Universidade da Amazônia – UNAMA, e-mail: [email protected].

[2] PIOLI, Roberta Raphaelli. O poliamorismo e a possibilidade de união poliafetiva. Disponível em: http://ultimainstancia.uol.com.br/conteudo/artigos/58182/o+poliamorismo+e+a+possibilidade+de+uniao+poliaf Acesso em: 19 de Dezembro de 2016.

[3] GAGLIANO, Pablo Stolze. Direitos da(o) amante – na teoria e na prática (dos Tribunais). Disponível em: http://ww3.lfg.com.br/public_html/article.php?story=20080715091906969&mode=pri. Acesso em: 20 de Dezembro de 2016.

[4] SILVA, Regina Beatriz Tavares da. Tentativa inútil de institucionalizar a Poligamia no Brasil. Disponível em: http://www.reginabeatriz.com.br/escritorio/noticias/noticia.aspx?id=340. Acesso em 19 de Dezembro de 2016.

[5] DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. 22. ed. São Paulo, Saraiva, 2007.

[6] SILVA, Regina Beatriz Tavares da. Tentativa inútil de institucionalizar a Poligamia no Brasil. Disponível em: http://reginabeatriz.com.br/escritorio/noticias/noticia.aspx?id=340.  Acesso em: 19 de Dezembro de 2016.

[7] SILVA, Regina Beatriz Tavares da. ‘União poliafetiva’ é um estelionato jurídico.